Estudar Luís de Camões é um dos nossos maiores desafios. Para vos ajudar, em particular neste Soneto, deixo a minha análise. Bom estudo,
No mundo quis o Tempo que se achasse
No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por experimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se experimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.
Luís de Camões
Estudo: Estamos perante uma composição poética constituída por duas quadras e dois tercetos, ou seja, um soneto. A nível do conteúdo semântico, o soneto assume uma atitude lírica enunciativa, podendo ser dividido em três partes. Na primeira parte, que coincide com a primeira quadra e funciona como uma introdução, o sujeito poético expressa que crê na existência do bem no mundo e, por isso, coloca-se à disposição da Fortuna para ficar a conhecer esse bem, a sua “dita”, como mostra o último verso da primeira quadra: “Quis que a Fortuna em mim se experimentasse”.
Na segunda parte, constituída pela segunda quadra e pelo primeiro terceto, o eu poético descreve as diligências que desenvolveu para conseguir contactar com o bem. Nesta linha de pensamento, relata-nos que, em vão, mudou “costume, terra e estado” (primeiro verso do primeiro terceto) e chegou mesmo a colocar a sua vida “nas mãos de um leve lenho” (último verso do primeiro terceto), ou seja, entregou-se ao destino, uma vez que o “lenho”, enquanto pedaço de madeira, evoca, metaforicamente, uma nau ou um barco, que faz o seu caminho no mar e leva a algum lugar. Apesar dos esforços, nunca lhe foi possível contactar com o almejado bem.
Finalmente, a terceira parte engloba a conclusão. A desgraça do sujeito poético não tem solução e ele fica a saber que a sua procura é em vão (“Achado tenho já que não a tenho” – último verso do segundo terceto). Estamos perante uma afirmação decisiva que se apresenta como sentença de uma condenação.
No que diz respeito à rima, este soneto segue o esquema tradicional renascentista abba, interpolada, nas duas quadras (a – asse; b – inha;) e cde nos dois tercetos (c – ado; d – ura; e – enho). Quanto ao número de sílabas, todos os versos são decassilábicos, ou seja, têm dez sílabas métricas (“No/ mun/do/ qui/s o/ Tem/po/ que/ se a/cha/sse).
O poema não é rico em adjetivação, pelo contrário, são, apenas, três os adjetivos utilizados em toda a composição poética: “longa vida” (3º verso da 2ª quadra); “sorte dura” (2º verso do 1º terceto) e “leve lenho” (3º verso do 1º terceto). A escolha dos adjetivos está em sintonia com a intenção semântica, na medida em que a vida é longa e, consequentemente, a procura do sujeito poético também foi prolongada, mas a sua sorte foi “dura” e ele entregou a sua vida a um barco “leve”, o que intensifica a precariedade do seu destino.
Além disso, a aliteração, com a repetição do “l”, em “leve lenho” reforça a ideia de leveza e de ligeireza. Noutra aliteração, desta vez, em “Nunca nesta tão longa vida minha” (3º verso da 2ª quadra), a repetição do som nasal ajuda a aumentar a sensação de comprimento para a vida.
Analisando os tempos verbais presentes ao logo do soneto, verificamos que predominam tempos ligados ao passado, como o pretérito perfeito simples do indicativo (“quis”, “deixou”, “andei” e “pus”) e o pretérito imperfeito do indicativo (“vinha”, “tinha”, “convinha” e “mudava”), porém, no último terceto, surgem os verbos assertivos e ligados semanticamente à realidade – “saber” e “ter” -, no presente do indicativo (“sei” e “tenho”), facto que coloca, no tempo atual e presente, a conclusão a que o eu poético chega, ou seja, não vai conseguir encontrar a “ventura”. É, ainda, de realçar o emprego do pretérito perfeito composto “tem mostrado” (1º verso do 2º terceto), a reforçar o sentido perifrástico e durativo, transmitindo a ideia de que o processo de busca foi longo.
Em termos estéticos, encontramos, ainda, nesta composição poética, a personificação do “leve lenho”, em cujas “mãos”, o sujeito poético colocou a sua vida, e a metonímia em que Deus é tomado pelo Céu (“Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado” – 1º verso do 2º terceto).
A individualização do eu poético como protagonista, que está presente em todo o soneto, é reforçada pelo emprego posposto do possessivo (“vida minha” – 3º verso da 2ª quadra), bem como pelo recurso às formas pronominais pessoais e possessivas da primeira pessoa (“mim”, “me”, “meu” e “minha”).
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